A história da publicidade LGBTQIAP+ no Brasil. Será que a gente evoluiu?
- Francini Rodrigues
- 26 de jun.
- 5 min de leitura
Um passeio sobre os grandes marcos da luta LGBTQIAP+ no Brasil quando se trata de representatividade na publicidade.

A publicidade é, sem dúvidas, uma das maiores formadoras de opinião do mundo. Basta olhar para os padrões de beleza, moda, consumo e estilos de vida em determinada época e vai ver, traçando um paralelo entre o comportamento do público e as propagandas, que uma coisa influenciou a outra.
Em outras palavras, a forma como as pessoas agem, o que elas pensam e gostam de ver, vai aparecer nas propagandas. Por outro lado, é possível que as propagandas ajudem a quebrar tabus, ditar tendências e até levar discussões importantes às pessoas.
Neste texto, vou falar sobre um desses assuntos.
Embarca no meu ônibus e vem comigo viajar pela linha do tempo da publicidade LGBTQIAP+ no Brasil, com muito orgulho!

A estreia dessa prosa:
Em 28 de junho comemora-se o Dia do Orgulho LGBTQIAP+, que celebra a data em que ficou marcada a chamada “Revolta de Stonewall”, quando a população marginalizada por questões de gênero e sexualidade se levantou contra a opressão em um dos únicos ambientes seguros para a comunidade da época, o Bar Stonewall, nos Estados Unidos.
Isso, claro, pra resumir a história. Só porque nosso assunto aqui é publicidade.
Basta chegar o mês de junho e já podemos ver diversas marcas correndo para mostrar suas bandeiras de “aliadas”. E muitas delas realmente o são, com projetos que combatem a marginalização ou cedendo espaço para conversa. Mas nem sempre foi assim.
Os anos nada dourados da publicidade:
Nos anos 80 e 90 o público já era mais “receptivo” a discutir tabus na televisão, como sexo e feminismo. Tudo isso graças à revoluções artísticas e midiáticas, como a popularização do rock, que levantaram conversas mais modernas, e à grupos de minorias se unindo para ter voz.
Ainda assim, as primeiras campanhas publicitárias com temática LGBTQIAP+ não eram direcionadas a este público, como hoje, mas ao público geral. Por isso, elas sempre tinham tom de chacota, retrato da sociedade da época.
As primeiras figuras LGBTQIAP+ a aparecer em propagandas tinham papéis menores, que serviam de alívio cômico, e eram criadas a partir de estereótipos, como “gay afeminado”. Travestis e drag queens também apareciam nas propagandas, mas sempre com intenção de gerar riso, nunca representatividade.
Chegamos nos anos 2000, mas a publicidade evoluiu?
No início dos anos 2000, esses papéis saíram da publicidade e ganharam também a televisão, principalmente em tom de humor, nem sempre respeitoso. Os ativistas do assunto e a própria comunidade foram percebendo, então, que era preciso ocupar esses espaços e mostrar esses personagens de outros ângulos para que a conversa fosse levada a sério sem deixar de laçar o público.

Foi só nos anos 2010 que as pautas relacionadas à diversidade começaram a render o que faltava para que ganhassem destaque na publicidade: dinheiro. O problema é que esse dinheiro era, muitas vezes, cor de rosa.
O que é pink money?
A expressão em inglês “pink money” refere-se ao poder de compra de pessoas LGBTQIAP+, e logo passou a simbolizar a intenção das marcas ou empresas de atrair esse público por meio de produções com representatividade.
Cada vez mais relevante, a comunidade LGBTQIAP+ dita tendências, ocupa espaços e levanta sua voz. Suas pautas são fundamentais em ambientes políticos, trabalhistas e artísticos.
Com essa percepção, empresas por todo o mundo descobriram que apoiar esse público poderia render grana. E, com boa intenção ou não (a expressão “fazer pink money” também é atualmente usada para definir produções voltadas ao público LGBTQIAP+ que só querem ganhar dinheiro), o número de propagandas com intenção representativa cresceu.
Só um beijinho, vai!
Conseguir representar a comunidade LGBTQIAP+ em espaços de grande destaque sempre exigiu luta e muito, muito barulho. Quem não se lembra do estardalhaço que o primeiro beijo gay em uma novela causou em 2013, quando o querido pelo público (e cômico) vilão Félix deu um selinho em Niko, em Amor à Vida?

No ano seguinte, aconteceria o primeiro beijo gay da publicidade brasileira. Na campanha “O amor une, a homofobia não”, da ONG Movimento Espírito Lilás (MEL) com a TagZag, agência paraibana, um casal homossexual aparece curtindo um dia de sua rotina, com direito a beijinho de bom dia.
Na época, a direção da campanha disse que não queria “causar com um casal de dois homens ou um beijo gay”, mas apresentar essa relação como algo bonito, natural e rotineiro, e ajudar a combater a homofobia no estado da Paraíba.
O filme foi veiculado nas principais emissoras da região, com exceção da TV Cabo Branco, afiliada da Rede Globo, que pediu uma versão sem beijo para exibição.
Um escândalo! Veio para causar:
No ano seguinte, em 2015, a gigante O Boticário colocaria o assunto em pauta em sua campanha de Dia dos Namorados, no que talvez seja até hoje o grande marco da publicidade LGBTQIAP+ no Brasil. Pelo menos, em termos de barulho na mídia e retenção na memória das pessoas.
A campanha celebra diversos tipos de casais, inclusive homossexuais, trocando presentes da marca. Nada demais, certo?
O público brasileiro, sentadinho no sofá, achou absurdo.
A campanha recebeu mais de 20 denúncias ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), que decidiu abrir um processo e julgar a propaganda.
O Boticário venceu e o filme continuou no ar, e o público infeliz precisou se conformar, para a felicidade geral da nação (gay). Uma pequena vitória.
A internet como grande aliada:
Atualmente, fica cada vez mais difícil bater de frente com a grande formadora de opiniões e covil de reclamações e discussões ao redor do mundo: a internet. E talvez seja ela a grande responsável pela virada publicitária da última década.
Não só na forma de fazer filmes e contar histórias, a internet também influencia as pautas da publicidade. Em poucos instantes, uma campanha pode ser detonada por força da opinião pública, e as marcas podem sofrer com o “cancelamento”.
É por isso que muitas delas preferem agradar o público moderno, jovem, que tem mais força online. O papel dos artistas também é importante nesse meio, já que são eles os principais rostos de campanhas e influenciadores dos jovens. E sabemos que a arte tem grande força no universo LGBTQIAP+, né?

Publicidade LGBTQIAP+ ainda é tabu?
Mesmo com evolução a passos curtos, as discussões de gênero e sexualidade ainda são tabu no Brasil no que diz respeito à publicidade. Elas ainda incomodam uma parcela da população.
No entanto, o meio publicitário sabe que precisa evoluir junto com o seu público, e hoje, a comunidade LGBTQIAP+ tem muito mais voz, e muito mais presença nesses espaços para fazer diferente.
Marcas do mercado de luxo, como perfumarias e alta costura, e gigantes que movimentam a economia, como bancos e conglomerados, foram pioneiras na publicidade LGBTQIAP+ brasileira. Natura, Bradesco e Itaú são grandes exemplos.
Redes de fast food, streamings e até aplicativos famosos de estudos de língua também marcam presença no Dia do Orgulho, e no dia a dia, conversando com esse público e acabando por fazer mais sucesso. E eu aposto que você sabe de quem eu tô falando…
Olha só esse exemplo recente do que a publicidade anda fazendo:
Então, sim, a publicidade LGBTQIAP+ no Brasil ainda tem muita passarela para andar, mas já é possível dizer que a gente tá chegando lá. Até porque, atualmente ser “descolado” pode ser a chave para fazer sucesso nas redes. E num mundo de memes e virais, quem não quer ser queridinho da galera? Mesmo que isso signifique aguentar certos comentários…
Seja o dinheiro rosa, verde ou de arco-íris, a publicidade não vive sem ele, então, ela precisa correr atrás do prejuízo. Enquanto isso, que tal aproveitar para fazer a população pensar (e repensar), né?

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